Evolução histórica do Direito Empresarial no Brasil

*Sidney Vida, Advogado e Professor de Direito

Uma das possíveis definições de direito como ciência é a de que este cria normas de conduta capazes de transformar o mundo e a sociedade para melhor. Essas normas de conduta podem ser questões subjetivas a serem definidas pelo Judiciário. Essa subjetividade traz, pela ambiguidade subjacente, a armadilha da instabilidade jurídica, o que, no caso do Direito Empresarial, é um perigo à geração de riqueza e ao desenvolvimento econômico e social do país.

A ambiguidade jurídica, de fato, pode frear o crescimento de uma empresa ou até comprometer sua sobrevivência. Embora não solucionem o problema em sua totalidade, já que a atividade empresarial vai além do jurídico, as regras do direito empresarial incluídas no Novo Código Civil brasileiro de 2002, representaram modernização há muito tempo esperada.

Foi apenas no artigo 996 desse código que a figura do “empresário” foi inserida legalmente no arcabouço jurídico brasileiro, embora os empresários já existam a séculos e o maior de todos a aparecer no Brasil, Irineu Evangelista da Silva, o Visconde de Mauá, tenha morrido em 1889. Segundo a letra da legislação “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”.

É claro que, antes disso, o Superior Tribunal de Justiça já havia definido que empresa é atividade econômica criada para circular ou produzir bens e serviços e ficou estabelecido, embora não de forma clara (ou juridicamente segura), que quem faz a empresa é o empresário.

O Direito Empresarial no Brasil passou a reconhecer também que nem toda atividade econômica configura empresa e há atividades que não têm como objetivo chegar ao lucro, sejam aquelas praticadas por pessoas naturais ou por sociedades. Em regra, o conhecido popularmente como profissional liberal – assim como o advogado, por determinação da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – não pode se encaixar na categoria de empresário, por exercer profissão intelectual de natureza cientifica, literária ou artística, como reza o parágrafo único do artigo 966 do Código Civil em vigor.

A inserção da figura do empresário no Código Civil representou o fim de antigas noções de comércio e comerciante, substituídas por outros conceitos trazidos pelo novo Código Civil através da Teoria da Empresa.

Embora tenha sido modernizadora na paisagem jurídica brasileira, não se pode dizer que seja exatamente inovadora. É inspirada em conceitos e expressões utilizadas pelo Código Civil italiano de 1942, patrocinado pelo governo de Mussolini. Outro exemplo clássico de modernização mas não de inovação, é a Consolidação das Leis do Trabalho, conhecida sempre pela sigla CLT, que foi inspiradíssima pela Carta del Lavoro, também elaborada pelo regime fascista de Benito Mussolini.

A unificação do Direito Comercial com o Civil provocou a tentativa, pelo menos no Brasil, dessa integração das normas do grande regime jurídico de Direito Privado. Também consolidou a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios perante a sociedade e terceiros. Permite também a sociedade entre marido e mulher de maneira empresarial, salvo as exceções de praxe. As condições para isso são que não tenham se casado (ou tenham união civil) no regime de comunhão universal ou separação de bens.

Falta nesse arcabouço jurídico uma unidade ideológica no sentido de favorecer os empresários e as empresas dentro de uma filosofia de não intervenção estatal no mercado, no mecanismo de preço ou na planificação. Isso, como é comum acontecer no Brasil ou na América Latina, se torna pensamentos governamentais, não do país. Poderia ser uma arma na luta contra trustes, cartéis e aglomerações de poder nas mãos de poucos produtores. Mas não é.

Não é objetivo deste artigo (a não ser que este se transformasse em livro, o que é a intenção deste autor), esmiuçar todos os detalhes do Direito Empresarial e as mudanças contempladas pelo Código Civil, mas os temas citados servem para mostrar uma tentativa de oferecer uma maior segurança jurídica no sentido das funções e definições de empresas e empresários.

E, em um país como o Brasil, que o ditado popular reza não ser um país para principiantes, deixar tudo preto no branco é sempre fundamental. Até então valia a memorável frase do comediante americano Groucho Marx (e que ainda vale para outros setores da vida brasileira): “Essas são as minhas convicções. Mas se você não gostar delas, eu tenho outras.”.