O DIREITO NATURAL EM PERSPECTIVA

*Sidney Vida.

A distinção entre o direito natural antigo e moderno não exige muito esforço. O antigo tem raiz transcendente e busca estar de acordo com a lei natural de fundamento divino. O moderno elegeu a razão como sua fonte e como a razão humana é cambiante, sujeita a modismos e ao poder vigente, acabou por nada ter de natural exceto o nome. É completamente imanente. Dela vieram os três grandes males da modernidade: o positivismo jurídico, o historicismo e o niilismo. Podemos ver a plenitude da modernidade nas posições e decisões do nosso STF que, a pretexto de interpretar a Constituição Federal de 1988, tem largamente legislado e inovado, quase sempre longe dos anseios da população cristã, impondo um corpo jurídico hostil à comunidade.

 

O direito natural busca o justo por natureza, seja no corpo das leis, seja no julgamento dos juízes. Os antigos tinham na revelação o norte para suas decisões, os modernos submetem à vontade (à razão, sempre volúvel) a formatação constitucional e legal. O trio positivismo, historicismo e o niilismo são o que fundamenta o ordenamento de sociedades francamente doentes, como a nazista e a comunista. A praga, todavia, se espalhou por todo o globo, a doença é generalizada. Em última análise, é a força política dominante que passa a dizer o que vale, o que é supostamente natural e justo. O que vemos é a crescente escravidão à norma injusta e casuísta, efêmera, que dura sempre até que a nova força política prevaleça.

 

O desafio de descobrir o justo por natureza remonta até pelo menos a Sócrates. Um dos maiores enganos dos leigos é achar que, quanto mais antiga é a sociedade, mais justa ela seria e mais natural. Se a sociedade é politicamente sã e seus cidadãos o são também, quanto mais atual é o corpo jurídico mais o direito natural prevaleceria. O que é justo por natureza precisa ser descoberto e implantado, o que nem sempre é fácil. A esfera jurídica sempre terá que ser medida pela esfera política.

 

Essa é a razão histórica do fracasso do jusnaturalismo, que elegeu a razão como sua fonte. Seus autores originaram os chamados direitos de primeira geração – a propriedade, a vida e a liberdade, que surgiram nos séculos XVII e XVIII e foram os primeiros reconhecidos pelos textos constitucionais, mas já estamos na quinta geração. A cada geração são negados o direito de propriedade e a liberdade como tentativa de suposto aperfeiçoamento. Criaram uma barafunda de direitos que, na verdade, são sua negação.

 

A razão está contida no direito natural antigo, por isso ela não pode ser a âncora de si mesma. Desde o século XIX temos visto o mergulho nas trevas justamente porque o falso direito natural, como é exemplo o jus-naturalismo, imperou. O mundo secularizado e ateu não acredita naquilo que é justo por natureza de raiz transcendente e a cada geração tenta reinventar uma ordem natural. Vimos acontecer o mergulho nas trevas mais profundas sempre dentro de uma ordem legal. Claro, falsificada porque elegeu a razão como âncora. Os milhões de mortos são o testemunho mudo da grande injustiça que praticaram.